Primavera Negra: Florescer nos Aquilombando

A vitória eleitoral de Lula em 22 representa um grande passo na luta contra a extrema-direita em nosso país. Além disso, tal vitória pode gerar um processo de reconstrução do país, da retomada de direitos socioeconômicos e também do fortalecimento da classe trabalhadora e das lutas populares no Brasil, com uma nova política de reconstrução de ações afirmativas, como as cotas, que sofreram tantos ataques nos últimos anos, mas que foram aprimoradas ainda neste ano. É neste contexto que a Primavera Negra – Setorial de Negritude da Primavera Socialista – se reuniu em São Paulo, por meio de seu ativo, para nos debruçarmos sobre as formulações e incidências da negritude em nossa corrente, em nosso partido e também na sociedade.

Ao pensarmos em qualquer processo histórico no Brasil, desde a sua colonização ou até mesmo nos dias atuais, é imprescindível pensarmos também na história, muitas vezes apagada, dos Afro-Brasileiros. Neste sentido, entendemos que o processo de sequestro e escravização de negros e negras de África para o nosso país está umbilicalmente ligado ao desenvolvimento do Capitalismo internacional, que por sua essência predatória e destrutiva, necessitava se expandir para novos lugares e explorar a sua materia prima local.

Para formar uma mão de obra capaz de sustentar o processo colonial descrito acima, foram sequestrados e escravizados mais de 4 milhões de negros e negras, que sofreram os mais diversos abusos físicos e psicológicos para assentarem as bases da sociedade e do capitalismo dependente brasileiro.

Mesmo com o desenvolvimento do capitalismo no Brasil e a abolição oficial da escravidão, a população negra continuou e continua sendo marginalizada, liderando os piores indicadores socioeconômicos no país, que a apontam como a maioria do contingente de trabalhadores precários, desempregados e subempregados, a maioria da população em situação de privação de liberdade, maioria de pessoas que sofrem violência polícial ou mortes violentas, maioria de vítimas de violência obstétrica, ocasionando um verdadeiro genocídio da população negra, além de terem uma subrepresentação em espaços institucionais, acadêmicos, políticos e afins.

Ou seja, o racismo atual nasce da ressignificação da escravidão, mas ainda mantendo suas marcas profundas deixadas na sociedade, sendo até hoje um dos pilares estruturantes da vida em nosso país. Portanto o nosso racismo é estrutural e se reverbera para as diversas áreas de interação social, seja nas relações econômicas, culturais, religiosas, interpessoais e na relação com o ambiente.

A expansão capitalista nos centros urbanos impôs a remoção de comunidades, privatização da água e saneamento básico, fragilizando as famílias pobres, somado aos processos de gentrificação e de negação sistemática do direito à cidade, entretenimento e à cultura para as pessoas negras.

Não estamos seguros nem mesmo dentro de nossas casas, pois são nossas favelas que sofrem com as operações policiais violentas. A guerra às drogas impulsiona, na realidade, a guerra a população pobre e negra, encarcerando jovens negros em massa, desembocando o aumento da letalidade policial e da violência em um verdadeiro genocídio do jovem negro no Brasil.

É também o nosso povo que morre na fila de espera do SUS. São as mulheres negras que encabeçam as estatísticas de uma contumaz negativa de acesso à direitos básicos perpetrada pelo próprio Estado, como a falta de acesso à saúde, a violência obstétrica, dentre outras. E é ela também que mais sofre de outras violências urbanas e territoriais como os casos de violência sexual e doméstica e dos feminicídios.

Estamos ainda sem pleno acesso à assistência social, terra, moradia e ainda sofrendo com a perseguição das nossas religiões de matrizes africanas. Nós negros e negras ainda somos alvos de um sistema econômico que beneficia os mais ricos e brancos e penaliza a classe trabalhadora e negra por meio da tributação indireta. Mesmo que sejamos a maioria da população brasileira, o Estado brasileiro não é pensado e construído para nos acolher.

Junte-se a isso uma construção histórica de gênero que – anterior ao capitalismo, mas desconhecida em boa parte do planeta – foi fundamental a reprodução das instituições burguesas – família, estado e propriedade privada – sendo que a articulação de gênero e raça estabelece diferentes níveis de exploração econômica e de pauperização e expropriação dos trabalhadores chegando, em pleno século XXI a situações com uberização, precarização e até mesmo de regimes de trabalho análogos a escravidão. A classe não apenas tem cor e gênero como é constituída a partir da intersecção entre raça e gênero.

Neste sentido, a nossa presença na agenda política como revolucionários negr@s é mais do que posicionamentos diante dos episódios cotidianos de racismo e machismo: é preciso devassar as bases estruturais destes fenômenos e produzir ações que acumulem para que amplos setores sociais – majoritariamente trabalhadores e trabalhadoras – entendam como Malcom X que não há “capitalismo sem racismo.” Não haverá fim do extermínio da juventude negra enquanto for dominante um modo de produção que é sustentado na exploração racializada da força de trabalho e não abre mão de nos encarcerar e exterminar para manter seus níveis absurdos de acumulação de riqueza e desigualdade social.

Para ser alternativa real é preciso ser de massas e popular: Este é o principal desafio do trabalho coletivo do movimento negro no processo de acúmulo de forças à revolução brasileira. É preciso que nossa ação no movimento negro seja coordenada, coletiva e tenha como objetivo estratégico a afirmação de nosso projeto político e revolucionário. A centralidade da luta negra e popular, na formação de uma agenda coletiva de lutas, deve conectar cada vez mais o PSOL com o destino histórico de milhões e não o de uma minoria de grupos vanguardistas.

Não existe democracia sem uma sociedade antirracista. Neste sentido, a luta pela emancipação inicia-se em nossa organização interna, passa pela disputa partidária, mas só se concretizará na revolução socialista. O “Programa Democrático Popular” permanece como nosso guia, sendo um programa necessário que aborda os principais anseios da classe trabalhadora, embora deva ser atualizado para dialogar com o século XXI.

Nós, negros e negras da Primavera, continuamos acreditando que o PSOL é o principal instrumento para defender os interesses da maioria da população, que ainda carece de representatividade e direitos. Mas é com grande orgulho que afirmamos que o Partido Socialismo e Liberdade foi o partido brasileiro com a maior proporção de candidatos autodeclarados pretos e pardos. Isso se deve em grande parte aos acertos das forças que compõem hoje a Primavera Socialista na implementação da obrigatoriedade de representatividade de negros e negras na direção nacional, estaduais e municipais.

Diante deste contexto, é imprescindível pensarmos a Primavera Socialista também como uma corrente que tenha a negritude como centro estratégico, que absorva o debate da negritude em todas as suas deliberações, atos, cargos de direção e construções políticas, não deixando os debates setoriais serem debates de caixinhas isoladas diante de toda disputa social partidária e da construção da própria tendência, ampliando, cada vez mais, o número de negros e negras, mulheres, indígenas e LGBTQIA+ nos espaços de decisão e representação política do partido e da corrente.

Neste sentido, propomos:

1 – Promover a refundação do Grupo de Estudos Genildo Batista para que possamos utilizá-lo como espaço formativo, formulativo e de construção de quadros políticos da Primavera Socialista.

2- Não medir esforços para a organização do Encontro Nacional de Negritude do PSOL e, após o processo, fundar/rearticular a Setorial Nacional de Negritude do partido como um legítimo espaço de construção de política.

3- Que haja uma tribuna de debates contínua nos espaços da tendência com o intuito de aumentar a nossa organicidade enquanto militantes da Primavera Socialista.

4- Que a Primavera Socialista promova formações e planejamentos eleitorais dentro de uma perspectiva estratégica nacional, levando em consideração as candidaturas negras, de mulheres e LGBTQIA+

5- Que a Primavera Socialista continue fazendo esforços para que a Comissão de Ética do PSOL seja efetiva e resolutiva, tendo como princípios norteadores as lutas antirracistas, antimachistas e antiLGBTfóbicas. Além de buscarmos fomentar, nas fileiras da corrente, ações e formações sobre estas pautas.

Coordenação do Setorial Nacional de Negritude da Primavera Socialista