Texto escrito por Eduardo Paysan, camarada da Primavera Socialista em Pernambuco, em razão do dia internacional dos direitos humanos, 10 de Dezembro.
Internacionalmente, no dia 10 de dezembro, é comemorado o Dia Internacional dos Direitos Humanos, em função da aprovação pelas Organizações das Nações Unidas (ONU) da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), que ocorreu no ano de 1948.
O Brasil possui um arcabouçou legal reconhecido internacionalmente no campo dos Direitos Humanos, como a nossa Constituição Federal de 1988, conhecida como “Constituição Cidadã”, que, inclusive, recepciona os Tratados e Convenções Internacionais no campo dos Direitos Humanos no mesmo nível das normas constitucionais, como Emendas Constitucionais (conforme disposição do parágrafo 3º do artigo 5º da CF 88).
Porém é importante lembrar que, devido a um histórico de autoritarismo do Estado brasileiro, desde que a mesma foi aprovada, já sofria crítica de determinados segmentos descontentes da sociedade com sua aprovação, alegando que uma legislação como a nossa Constituição Federal não era para um país como o Brasil ou que não teria aplicabilidade ou possibilidade exigibilidade dos direitos nela garantidos.
Devemos lembrar que ela foi fruto de um processo de ampla mobilização social, a partir do contexto de redemocratização do nosso país, pois Ditadura Empresarial-Militar que durou longos 21 anos, no Brasil (1964-1985). Ela expressa esse anseio de garantir a ampliação dos direitos e garantias fundamentais dos/as cidadãos/cidadãs brasileiros/as, após um período de grandes arbitrariedades cometidas por parte de agentes do Estado perante pessoas e grupos organizados na luta por direitos.
Um dos pontos fundamentais apontados na nossa Carta Magna é que a mesma aponta a possibilidade da democratização da Gestão Pública, abrindo espaço para uma institucionalidade que permite espaços de participação social democrática, através de entidades da sociedade civil organizada nos Conselhos Setoriais, como os Conselhos de Assistência Social (incisos I e II do Art. 204, CF 88) ou Conselhos de Direitos. O princípio da descentralização se contrapõe a uma tendência que ocorria durante o período autoritário de concentração dos Poderes no âmbito Federal e abre a possibilidade a participação da população, nos territórios onde vive, podendo participar, de períodos em períodos, das Conferências Municipais, que elegerão delegados para as Conferências Estaduais e delas para as Conferências Nacionais.
Tais Conferências são organizadas, em cada nível federativo, pelos respectivos Conselhos de Políticas Setoriais ou de Direitos. Em relação à Conferência Nacional de Direitos Humanos, está prevista para ocorrer a próxima no ano de 2025, após um longo período de retrocessos no campo dos Direitos Humanos, no Brasil.
Vivemos, portanto, no campo dos Direitos Humanos, lutas históricas que apesar de consolidar alguns direitos, vivem também em permanente ameaça por parte de grupos conservadores e/ou reacionários, como os que ocupam a maioria do Congresso Nacional, no momento presente do país. Diversos parlamentares acabam sendo eleitos/as a partir de discursos e práticas atentatórias aos Direitos Humanos, senão para o geral da população, mas para determinados grupos minorizados, em termos políticos.
Permanece, portanto, como desafio, ampliar o conhecimento da população sobre seus direitos fundamentais como cidadãos/cidadãs e superar uma tendência no Brasil de tratar as demandas sociais ou via “assistencialismo” ou via repressão. A Constituição Federal de 1988 inscreve a Política de Assistência Social, por exemplo, no tripé da Seguridade Social, juntamente com a Saúde e a Previdência Social.
Ou seja, a Assistência Social passa a ser um direito do/a cidadão/cidadã que dela necessite e um dever do Estado. Esses direitos constitucionais passam a ser regulamentados a partir de uma série de legislações em nível infraconstitucional, como é o caso da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) – Lei Federal n.º 8.742, promulgada em 07 de dezembro de 1993, cinco anos após a promulgação da Constituição Federal de 1988. E a Política de Assistência Social é citada aqui devido ao seu papel estratégico de atuar de forma intersetorial junto às demais Políticas Sociais, a fim de poder alçar cada sujeito atingido por situações de vulnerabilidade e risco social, através da violação de direitos, a uma condição de cidadania.
Porém o nível de avanço em termos da efetivação dos direitos vai depender da correlação de forças historicamente estabelecida no âmbito da Sociedade e do Estado brasileiros. Assim foi o contexto de aprovação da própria CF 88, que aponta para um horizonte de universalização de direitos e para a possível construção de um “Estado de Bem-Estar Social” no Brasil, mas que já colide com um contexto internacional onde cresce a onda do neoliberalismo, que difunde a ideia de que o Estado deve se comportar como um Estado mínimo. Ou seja, ao invés de se afirmar o papel central do Estado, tenta se retirar a obrigação do Ente Estatal e transferir para a Sociedade, vim práticas voluntaristas ou mesmo via Mercado. Assim, quem pode pagar pode ter acesso aos direitos, quem não pode ou fica sem acesso ou depende da caridade alheia.
As contradições existentes na nossa realidade é que o Estado brasileiro vem se comportando como Estado mínimo em relação aos Direitos Humanos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais (DHESCAs) da população e máximo para o Capital, favorecendo isenções de grandes empresas em relação ao pagamento de impostos e uma série de outras medidas. Da mesma forma, o Estado vem se expressando como um Estado máximo em termos de um Estado Penal, na medida em que o endurecimento das leis penais (como a Lei de Drogas), faz com que um amplo contingente da população seja criminalizado e contribua para um contexto de superencarceramento da nossa população e, ainda, de um grande número de execuções sumárias extrajudiciais praticadas por agentes estatais (Policiais). Porém não podemos falar desse viés, sem apontar um recorte racial desse contexto, onde grande parte da população privada de liberdade pertence à população negra e também aos territórios periféricos das grandes cidades. O Racismo estrutural sustenta, portanto, grande parte desse contexto de violações de direitos e violências.
Ou seja, um contexto de grandes injustiças sociais e violações de direitos a que a grande maioria da nossa população está submetida é mantido através do medo imposto pelos agentes do Sistema de Justiça e Segurança Pública brasileiros. Portanto, também é preciso avançar nesse campo, democratizando todos os Poderes da República, não só o Poder Executivo, mas também o Legislativo e o Judiciário.
Aliás, ficou bastante patente a necessidade de fortalecimento das instituições democráticas brasileiras quando, recentemente, veio à tona a investigação praticada por parte da Polícia Federal, onde o ex-Presidente da República, Jair Bolsonaro e uma série de Militares de alta patente que compunham o seu Governo, utilizaram a estrutura do próprio Estado brasileiro para tramar um Golpe de Estado, com o assassinato do então Presidente Eleito, Lula e do Vice-Presidente Alckmin e do Ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Alexandre de Morais. Mesmo não levado a cabo tal planejamento, um Golpe institucional foi tentado no dia 08/01/2023, logo após a tomada de posse do Presidente Lula, com ataques aos prédios dos 3 Poderes, em Brasília.
Ou seja, vivemos em um contexto onde a própria ideia da Democracia é um conceito em disputa, mas que nossa Constituição Federal de 1988 afirma a soberania popular como princípio. Ou seja, o Poder emana do povo e deve ser exercido em seu nome, de forma que a nossa Lei Maior também confere tais mecanismos de participação direta. Porém há quem acredite que seja melhor um Estado Autoritário que controle a população, a partir da necessidade de uma sensação de segurança.
Portanto, é fundamental apontar que só avançaremos em relação à efetivação dos Direitos Humanos e da própria Democracia em si na medida em que também avançarmos em termos da Educação em Direitos Humanos, que deve ser realizada não somente no campo formal da Educação, mas também através da Educação Popular informal, inclusive, pelas próprias entidades da sociedade civil organizada.
A maioria dessas entidades da sociedade civil organizada teve um forte papel no contexto de redemocratização do Brasil e vem pautando o Estado brasileiro via incidência política e controle social para que avance em termos da implementação dos direitos fundamentais constitucionais, através do investimento em políticas públicas.
Essas entidades, juntamente com lutas coletivas empreendidas pelos Movimentos Sociais, Sindicatos, Partidos Políticos apontam para um horizonte de lutas coletivas necessárias para avançar na democratização do País, do Estado brasileiro e a efetivação dos Direitos Humanos, buscando a superação de uma cultura política do paternalismo e da repressão policial. É central avançar para que a Segurança Pública se paute por uma Segurança Cidadã, de forma que os agentes do Estado conheçam e respeitem os ditames constitucionais. Isso é apontado no próprio Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos, onde pouco se avançou em termos da Educação em Direitos Humanos para os setores da área da Segurança Pública.
Como patrono da Educação brasileira, Paulo Freire apontou o caminho para avançarmos em relação à alfabetização de jovens e adultos brasileiros/as, agregando valor em relação ao conhecimento crítico da realidade que cerca os/as trabalhadores/as. Ou seja, esse processo de alfabetização é construído de tal forma pelo método Paulo Freire que cada sujeito pode se compreender na sua realidade social e política, não em um processo de alienação desse sujeito político. Cada cidadã/o é chamado/a a fazer parte da construção da sua própria história, não mais de forma passiva. Constrói-se uma Pedagogia da Autonomia, da Liberdade e que também se propõe a superar uma tendência da população que sofre as opressões a reproduzir essa visão do opressor, conhecida como Pedagogia do Oprimido. O convite é para que me liberte das opressões e lute para acabar com elas e não para que me torne um próximo opressor, reproduzindo socialmente essas opressões.
Aí está o cerne de muitas questões no Brasil. Não é à toa que Paulo Freire continua a ser perseguido por esses setores conservadores e reacionários da sociedade e que esses vêm realizando uma ofensiva no campo da Educação via perseguição da Educação Pública de Nível Superior, com ataques às Universidade Públicas, perseguição a Professores/as e descredibilização da Ciência, retirada de recursos públicos da Política de Educação, implementação de projetos como Escola Paralela (recentemente denunciado via The Intercept Brasil), além de incentivo ao “homeschooling” (que é proibido no Brasil), privatização de Escolas (ocorrida recentemente no Estado de São Paulo) e também a implementação de Escolas públicas militarizadas, em diversos Estados do Brasil.
E devemos chamar atenção ainda para o fato de que essa visão conservadora e reacionária ainda vem se somando a uma visão religiosa bastante distorcida e que também tem empreendido iniciativas de captura do segmento da Segurança Pública, com a realização de cultos para profissionais da Segurança Pública fardados. Tais iniciativas contrastam com a visão de um Estado Laico, que deve garantir a liberdade de crença e de culto a todos/as os/as cidadã(o)s, sendo a liberdade religiosa um dos direitos humanos fundamentais protegidos pela Constituição Federal (inciso IV, do Art. 5º CF 88).
Avançar em relação ao aprofundamento da Democracia também tem a ver com o chamado Direito Memória, à Verdade e à Justiça, a fim de que possa ser realizada no Brasil uma Justiça de Transição, que ocorreu em outros países da América Latina que foram assolados também por Regimes Ditatoriais, apoiados pelos Estados Unidos da América (EUA), nas décadas de 60 a 80.
Não é por acaso que, à medida em que avançam as contradições presentes na sociedade, como a desigualdade e a violência advinda de uma vida em situação de pobreza e miserabilidade por parte de grande parte da população, ou se resolve para a caridade, apelando para uma visão de “refilantropização” da Assistência Social, via favor, benesse, benemerência, troca ou para a via do autoritarismo, do medo e da repressão dessa mesma massa populacional empobrecida, a fim de que não se rebele e não se organize para lutar por seus direitos. No outro pilar, está a negação dos meios necessários para que também possa tomar consciência dos seus direitos de cidadania e possa exigir o cumprimento desses mesmos direitos por parte dos Entes Estatais.
É preciso enfrentar uma estrutura de Poder que nega o acesso e a participação de mulheres, pessoas negras, indígenas, pessoas com deficiência, LGBTQIAPN+, através de uma atuação articulada entre esses sujeitos políticos coletivos, através dos movimentos sociais e outros espaços institucionais. Somente através do fortalecimento desses sujeitos coletivos teremos condições de fazer frente a um contexto onde aumentam as tentativas ampliar o controle e a perseguição desses grupos. O Brasil é um dos países em que mais se assassina militantes de Direitos Humanos.
Precisamos fortalecer as diversas instituições que podem apoiar no contexto de democratização do Estado brasileiro, com as Defensorias Públicas, os Ministérios Públicos, etc. São instituições que podem reforçar a defesa do Estado Democrático de Direito e o avanço na efetivação dos Direitos Humanos da nossa população, previstos na Constituição Federal de 1988 e todo o arcabouço jurídico brasileiro.
Pra que a soberania popular se exerça, de fato, é preciso que cada cidad(ã)o conheça seus direitos e os instrumentos que possui à sua disposição para a efetivação desses direitos. É preciso que compreenda a importância do Controle Social Democrático e saiba exercitá-lo nas instâncias democráticas. Que compreenda também os mecanismos de transparência do Poder Público e que a efetivação dos direitos só se dá através do investimento de recursos públicos nas políticas públicas. Além de tudo, a fim de garantir a efetivação dos direitos humanos, deve haver uma articulação intersetorial entre as políticas públicas, levando em consideração que os Direitos Humanos são, além de Universais, Indivisíveis e Interdependentes.
Precisamos lutar pela reconstrução institucional dos Direitos Humanos, retomando um construção democrática, a partir dos processos das Conferências de Direitos Humanos e ocupando, de forma qualificada e fortalecendo o espaço institucional dos Conselhos de Direitos Humanos, em cada Município, Estado e o Nacional. Revisar ou construir os respectivos Planos de Direitos Humanos e efetivamente conferir se foram ou não efetivados. É preciso avançar em termos da institucionalização de um Sistema Nacional de Direitos Humanos, fortalecendo os mecanismos para a efetivação e garantia dos direitos humanos de cada sujeito ou grupo social e, para isso, devemos apontar que, juntamente com a Educação em Direitos Humanos, será fundamental também o campo da Cultura, como espaço de resistência, pertencimento e fortalecimento desses sujeitos e grupos.
Devido ao seu potencial de transformação, não é à toa que a Cultura é a primeira a ser perseguida, devido ao seu grande potencial de transformação de realidades sociais, através de sujeitos que se organizam coletivamente e assim se fortalecem. Somente assim avançaremos para barrar as tentativas de Censura e avançar em termos da democratização da Sociedade e do Estado brasileiro, frente a um contexto social onde cresceram, nos últimos anos, grupos neonazistas e neofascistas no país. As disputas não serão fáceis nos próximos anos, é preciso estarmos vigilantes, atentos/as e fortes, organizados/as e ocupando permanentemente as ruas e os espaços institucionais democráticos. É por isso que o povo brasileiro foi chamado a ocupar as ruas em vários Estados brasileiros, na data de hoje, para defender a Democracia e dizer “Sem Anistia Para os Golpistas, contra os Fundamentalistas e sua PEC do Estuprador e pelo Fim da Escala 6×1 sem redução de salário!”
1 “Eduardo Paysan é Advogado, Especialista em Direitos Humanos e Mestre em Serviço Social. Professor, Educador Social (servidor efetivo da Secretaria de Assistência Social do Recife), militante de Direitos Humanos, ativista pelos direitos LGBTI+ (membro da
UNALGBT, Aliança Nacional LGBTI+ e Gay Latino), Conselheiro Municipal de Direitos Humanos e Segurança Cidadã do
Recife e Conselheiro Estadual de Direitos Humanos de Pernambuco, membro do PSOL Pernambuco, integrante da
Primavera Socialista.”