O presidente nacional do PSOL e integrante da Primavera Socialista, Juliano Medeiros, lamentou, em seu artigo de opinião na Folha de S. Paulo, que “em plena terceira década do século 21” haja uma crise humanitária da proporção em que as crianças Yanomamis estão passando. “Como definir tamanha degradação?”, questionou o dirigente.
Intitulado “O genocídio nosso de cada”, o artigo publicado por ele faz um contraponto a um texto do sociólogo Demétrio Magnoli, que questiona o uso do termo. Medeiros afirma que o conceito de “genocídio” não deveria se encerrar em “sentenças de tribunal ou páginas do dicionário”. Diz o psolista:
“Segundo o sociólogo (Demétrio Magnoli), o crime de genocídio só pode ser caracterizado quando há ação deliberada do Estado para o extermínio de uma população. Por isso, além do Holocausto, só teriam existido outros três episódios de genocídio no século passado: Armênia (1915-1917), Camboja (1975-1979) e Ruanda (1994). Qual o critério utilizado por Magnoli para definir o que é e o que não é genocídio? As decisões do Tribunal Penal Internacional. Parece uma apreciação bastante formal para um cientista social diante de um conceito que, como qualquer outro que se refere a fenômenos da vida social, está em permanente transformação. Democracia, justiça, igualdade, genocídio são conceitos ’em disputa’, cujo significado não se encerra nas sentenças de um tribunal ou nas páginas de um dicionário. Ainda assim — para que não reste espaço a qualquer relativismo — vale lembrar que, mesmo no dicionário Oxford, o conceito de genocídio é amplo, abarcando desde ‘o extermínio deliberado, parcial ou total, de uma comunidade ou grupo étnico’ até ‘a submissão de grupos humanos a condições insuportáveis de vida'”.
Medeiros relembra que a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) denunciou o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) ao Tribunal Penal Internacional pelo tratamento dado pelo governo anterior aos povos indígenas, inclusive durante a pandemia de Covid-19. Além dessa ação, há uma outra tramitando junto à Corte Interamericana de Direitos Humanos sobre a situação específica do povo Yanomami. “Não demorará muito, portanto, para que os tribunais internacionais também se posicionem em relação às acusações de genocídio contra o ex-presidente”, escreveu o presidente do PSOL.
“Magnoli representa a voz dos omissos que não suportam conviver com a ideia de que, à luz do dia, se produzia um genocídio no Brasil enquanto nossas instituições dormiam em berço esplêndido. Olhar para as crianças yanomamis, assoladas pela fome e pelo abandono, e admitir que algo poderia ter sido feito, significa assumir parte da culpa. E isso é duro demais para parcela de nossas elites”, pontuou Medeiros no artigo. “Todos sabemos que Bolsonaro poderia ter sido detido, fosse pela Câmara dos Deputados, comprada pelo orçamento secreto, fosse pelas instituições do Judiciário, que transitaram entre a omissão dos tribunais superiores e a cumplicidade do procurador-geral da República. O ex-presidente ter concluído seu mandato depois de todos os crimes que cometeu é um verdadeiro escárnio. Ainda mais quando lembramos que poucos anos antes uma mandatária foi destituída por razões eminentemente políticas”, concluiu o psolista, fazendo referência ao golpe contra a ex-presidenta Dilma Rousseff.
“A volta da polêmica em torno do uso do termo genocídio nada tem a ver com a disputa em torno de seus sentidos, ademais, legítima. Ela esconde na verdade a incapacidade de admitir a banalidade com que parte de nossas elites tratou o projeto de aniquilação liderado por Bolsonaro. Afinal, enquanto a morte não bater à sua porta, ela está longe demais para gerar qualquer empatia verdadeira”, finalizou Medeiros.