
Por Eduardo Soares de Lara*
Há uma grande expectativa em relação à tramitação do projeto Universidade Gratuita. Uma proposta ousada e audaciosa, que consiste na compra de vagas nas universidades que compõem o Sistema ACAFE (Associação Catarinense das Fundações Educacionais) e possivelmente uma das bandeiras que impulsionou a campanha de Jorginho Mello ao governo do Estado de Santa Catarina.
Sem dúvida alguma, todo investimento na área da educação é muito bem-vindo, principalmente com a possibilidade de gratuidade em um país onde historicamente a oferta de ensino superior é limitada. Entretanto, nos últimos dias, após a apresentação dos princípios norteadores do projeto aos deputados estaduais, uma primeira versão do texto passou a circular, permitindo uma análise concreta sobre sua efetividade e impacto enquanto política pública de acesso ao ensino superior.
A iniciativa prevê a oferta de 75 mil vagas gratuitas de graduação através de incentivos às instituições universitárias comunitárias vinculadas ao Sistema ACAFE, ao custo de R$ 1,2 bilhões que serão investidos gradativamente entre 2023 e 2026, oriundos do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes).
No entanto, alguns pontos nebulosos precisam ser destacados no projeto, começando pelos mecanismos de controle social previstos na lei, restritos a uma comissão constituída no âmbito de cada instituição de ensino, composta por representantes da mesma, além de discentes, membros da sociedade civil e da Secretaria de Educação lotados na Coordenadoria Regional de Educação correspondente. Para além das comissões locais, é incontestável que devido ao grande montante financeiro e o impacto da iniciativa, o mesmo deveria seguir o exemplo executado pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) e estabelecer uma Comissão Estadual de Acompanhamento e Controle Social com intuito de monitorar, identificar problemas enfrentados pelos alunos e instituições, além de propor soluções para aprimorar e consolidar o Universidade Gratuita.
Outro ponto a ser considerado é a exigência de contrapartida do estudante beneficiário, que pelo projeto fica obrigado a prestar serviços à população do Estado ou ressarcir integralmente o valor investido. Embora pareça um princípio justo e virtuoso, é importante lembrar que nossa Constituição entende a educação como um direito de todos e um dever do Estado, guiado pelo princípio da igualdade de condições no acesso e permanência. Assim sendo, o que diferencia uma vaga pública ofertada pela UDESC ou pela UFSC? Por que estabelecer na lei essa distinção para o beneficiário, condicionando-o a prestar um serviço ou cobrar ressarcimento?
Soma-se também à difícil condição de permanência dos estudantes, a inconveniência do deslocamento entre cidades e, muitas vezes, à exigência de estágio obrigatório do próprio curso. Isso nos faz pensar que o projeto não aborda de forma clara a possibilidade de acumular bolsas de iniciação científica, extensão ou de assistência estudantil para que o estudante possa se manter e se desenvolver academicamente sem prejuízo de sua condição de beneficiado.
Portanto, ainda que a prestação de serviço tenha um propósito educativo, é importante concordar que não é responsabilidade do estudante suprir as lacunas na oferta de serviços públicos que são exclusivamente de responsabilidade do Estado. Infelizmente, essa tem sido uma tática fácil para precarizar, reduzir e enfraquecer ainda mais o serviço público.
Por último, é importante ressaltar que o programa Universidade Gratuita prevê uma conexão com o novo ensino médio, oferecendo itinerários formativos aos estudantes da rede pública com 50% de gratuidade. Um absurdo sem tamanho, já que no Brasil, e em Santa Catarina não é diferente, o Novo Ensino Médio tem sido avaliado como um dos maiores fracassos da política educacional nacional. Com farto registro da falta de professores, espaços físicos, laboratórios e turmas superlotadas em escolas que não conseguem atender à demanda dos itinerários escolhidos pelos alunos.
A farta publicidade e mídia positiva patrocinada pela ACAFE nos meios de comunicação não pode impedir um olhar atento e crítico sobre esse projeto. Especialmente entre o movimento estudantil, que confraternizou passivamente e defendeu a iniciativa ao lado de figuras minimamente sinistras aos princípios da educação pública e de qualidade.
A crise do Sistema ACAFE não é de hoje e tem muito a ver com a apropriação do sistema por forças conservadoras, agravado pelo contexto da expansão do ensino privado em Santa Catarina. De forma que, a defesa do seu caráter público continua pertinente e reacende a formulação de uma posição estratégica de transformar o sistema fundacional catarinense em instituições plenamente públicas e gratuitas.
*Eduardo Soares de Lara é cientista social, professor, ex-diretor da União Catarinense das e dos Estudantes (UCE), militante da Primavera Socialista e do Partido Socialismo e Liberdade.
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