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Projeto Universidade Gratuita: considerações sobre o acesso ao ensino superior em Santa Catarina. Por Eduardo Soares de Lara

Iniciativa prevê 75 mil vagas gratuitas de graduação através de incentivos às instituições universitárias comunitárias vinculadas ao Sistema ACAFE. No entanto, alguns pontos nebulosos precisam ser destacados no projeto.

Publicado em: 17/05/2023

Atualizado em:17/05/2023

Projeto Universidade Gratuita: considerações sobre o acesso ao ensino superior em Santa Catarina. Por Eduardo Soares de Lara

Iniciativa prevê 75 mil vagas gratuitas de graduação através de incentivos às instituições universitárias comunitárias vinculadas ao Sistema ACAFE. No entanto, alguns pontos nebulosos precisam ser destacados no projeto.

Publicado em: 17/05/2023

Atualizado em:17/05/2023

Por Eduardo Soares de Lara*

Há uma grande expectativa em relação à tramitação do projeto Universidade Gratuita. Uma proposta ousada e audaciosa, que consiste na compra de vagas nas universidades que compõem o Sistema ACAFE (Associação Catarinense das Fundações Educacionais) e possivelmente uma das bandeiras que impulsionou a campanha de Jorginho Mello ao governo do Estado de Santa Catarina.

Sem dúvida alguma, todo investimento na área da educação é muito bem-vindo, principalmente com a possibilidade de gratuidade em um país onde historicamente a oferta de ensino superior é limitada. Entretanto, nos últimos dias, após a apresentação dos princípios norteadores do projeto aos deputados estaduais, uma primeira versão do texto passou a circular, permitindo uma análise concreta sobre sua efetividade e impacto enquanto política pública de acesso ao ensino superior.

A iniciativa prevê a oferta de 75 mil vagas gratuitas de graduação através de incentivos às instituições universitárias comunitárias vinculadas ao Sistema ACAFE, ao custo de R$ 1,2 bilhões que serão investidos gradativamente entre 2023 e 2026, oriundos do Fundo de Apoio à Manutenção e ao Desenvolvimento da Educação Superior (Fumdes).

No entanto, alguns pontos nebulosos precisam ser destacados no projeto, começando pelos mecanismos de controle social previstos na lei, restritos a uma comissão constituída no âmbito de cada instituição de ensino, composta por representantes da mesma, além de discentes, membros da sociedade civil e da Secretaria de Educação lotados na Coordenadoria Regional de Educação correspondente. Para além das comissões locais, é incontestável que devido ao grande montante financeiro e o impacto da iniciativa, o mesmo deveria seguir o exemplo executado pelo Programa Universidade para Todos (ProUni) e estabelecer uma Comissão Estadual de Acompanhamento e Controle Social com intuito de monitorar, identificar problemas enfrentados pelos alunos e instituições, além de propor soluções para aprimorar e consolidar o Universidade Gratuita.

Outro ponto a ser considerado é a exigência de contrapartida do estudante beneficiário, que pelo projeto fica obrigado a prestar serviços à população do Estado ou ressarcir integralmente o valor investido. Embora pareça um princípio justo e virtuoso, é importante lembrar que nossa Constituição entende a educação como um direito de todos e um dever do Estado, guiado pelo princípio da igualdade de condições no acesso e permanência. Assim sendo, o que diferencia uma vaga pública ofertada pela UDESC ou pela UFSC? Por que estabelecer na lei essa distinção para o beneficiário, condicionando-o a prestar um serviço ou cobrar ressarcimento?

Soma-se também à difícil condição de permanência dos estudantes, a inconveniência do deslocamento entre cidades e, muitas vezes, à exigência de estágio obrigatório do próprio curso. Isso nos faz pensar que o projeto não aborda de forma clara a possibilidade de acumular bolsas de iniciação científica, extensão ou de assistência estudantil para que o estudante possa se manter e se desenvolver academicamente sem prejuízo de sua condição de beneficiado.

Portanto, ainda que a prestação de serviço tenha um propósito educativo, é importante concordar que não é responsabilidade do estudante suprir as lacunas na oferta de serviços públicos que são exclusivamente de responsabilidade do Estado. Infelizmente, essa tem sido uma tática fácil para precarizar, reduzir e enfraquecer ainda mais o serviço público.

Por último, é importante ressaltar que o programa Universidade Gratuita prevê uma conexão com o novo ensino médio, oferecendo itinerários formativos aos estudantes da rede pública com 50% de gratuidade. Um absurdo sem tamanho, já que no Brasil, e em Santa Catarina não é diferente, o Novo Ensino Médio tem sido avaliado como um dos maiores fracassos da política educacional nacional. Com farto registro da falta de professores, espaços físicos, laboratórios e turmas superlotadas em escolas que não conseguem atender à demanda dos itinerários escolhidos pelos alunos.

A farta publicidade e mídia positiva patrocinada pela ACAFE nos meios de comunicação não pode impedir um olhar atento e crítico sobre esse projeto. Especialmente entre o movimento estudantil, que confraternizou passivamente e defendeu a iniciativa ao lado de figuras minimamente sinistras aos princípios da educação pública e de qualidade.

A crise do Sistema ACAFE não é de hoje e tem muito a ver com a apropriação do sistema por forças conservadoras, agravado pelo contexto da expansão do ensino privado em Santa Catarina. De forma que, a defesa do seu caráter público continua pertinente e reacende a formulação de uma posição estratégica de transformar o sistema fundacional catarinense em instituições plenamente públicas e gratuitas.

*Eduardo Soares de Lara é cientista social, professor, ex-diretor da União Catarinense das e dos Estudantes (UCE), militante da Primavera Socialista e do Partido Socialismo e Liberdade.

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